segunda-feira, 21 de março de 2011

Uma estória sobre o conhecimento


Tudo começou numa quinta-feira à noite. Eu estava sozinho em meu escritório observando pela janela a chuva que caia nas ruas desertas lá fora. Foi então que o telefone tocou. Era Anne a esposa de Harry e ela parecia terrificada. Ela me contou que estavam sozinhos em seu apartamento preparando a última refeição do dia quando a porta da frente do apartamento veio a baixo e por ela entraram seis homens encapuzados. Os homens estavam armados e obrigaram Harry e Anne a deitarem-se no piso do apartamento com o rosto para baixo. Um dos homens passou a examinar os bolsos de Harry até que encontrou sua carteira de motorista. Examinou a carteira por algum tempo, comparando a foto com o rosto de Harry. Após algum tempo de exame falou para os outros “OK! É ele mesmo”. Dito isto retirou do bolso uma agulha hipodérmica e introduziu na veia do braço de Harry uma substância que o fez perder a consciência quase que imediatamente. Por alguma razão que Anne desconhece, eles não fizeram o mesmo com ela. Apenas a amarram e deixaram no piso do apartamento. Dois outros homens, vestidos de branco e usando máscaras entraram no apartamento conduzindo uma maca sobre rodas. Colocaram o corpo inerte de Harry sobre ela e o cobriram com lençóis brancos. Imediatamente conduziram a maca para fora do apartamento. Todos partiram e Anne ficou imobilizada no piso do apartamento. Ela conseguiu lutar para se soltar e ainda conseguiu ir aos pulos até a janela do apartamento atempo de ver os sujeitos colocarem a maca com Harry sobre ela, dentro de uma ambulância. Partiram à toda velocidade.
No momento em que me telefonava ela já havia se livrado das amarras. Antes disto telefonou para a polícia para fazer uma denúncia de seqüestro. Para sua surpresa não vieram policiais normais e sim dois homens vestindo terno e gravata e nada amistosos. Eles, sem nem mesmo examinar a cena do ocorrido, disseram para ela que nada poderiam fazer e que se ela soubesse o que era bom para ela, deveria manter silêncio sobre o ocorrido. Caso comunicasse a mais alguém, eles lançariam sobre ela a acusação de que era paranóica e nunca mais iria ver seu marido novamente.
Não sabendo o que mais fazer, Anne telefonou para mim. Ela ainda teve a presença de espírito de anotar a placa da ambulância e eu não tive dificuldades em encontrá-la estacionada numa clínica nos arredores do centro da cidade. Quando cheguei mais próximo da clínica fiquei surpreso em notar que era mais reforçada que uma fortaleza militar. Havia guardas na entrada e muros altos ao redor de todo prédio. Como eu tive treinamento militar me esforcei para superar os muros altos e penetrar dentro da clínica. Todas as janelas do piso térreo possuiam grades de proteção. Assim, tive trabalho de soltar uma das grades da janela que, por sorte, alguém deixou aberta. Quando entrei percebi que estava num laboratório. Ouvi vozes abafadas numa sala ao lado, caminhei pelo corredor com todo cuidado e espiei pelo buraco da fechadura o que ocorria dentro daquela sala. O que pude ver era como que uma sala de operações com uma equipe de cirurgiões conversando e trabalhando sobre a maca em que se encontrava o corpo inerte de Harry. Ele estava coberto com tecido usado em cirurgias e parecia que saiam tubos da parte superior de seu corpo. Tive de conter um grito quando percebi que eles haviam removido a parte superior do crânio de Harry. Para minha consternação, um dos cirurgiões pôs as mãos enluvadas dentro do crânio de Harry e retirou de lá seu cérebro e o colocou numa cuba de aço inoxidável. Os tubos e conexões que vi estavam agora ligados ao cérebro, fora do corpo, de Harry. Os cirurgiões transportaram o cérebro de Harry cuidadosamente até um tanque cheio de um líqüido irreconhecível. Minha primeira impressão foi a de que eu estava presenciando uma espécie de ritual moderno satanista que faziam suas magias através da vivecção de cérebros das pessoas. Meusegundo pensamento foi o de que Harry nunca teve, de fato, um cérebro e que aquela rotina era normal.
Minhas especulações foram interrompidas quando luzes apareceram atrás de mim e, ao me voltar, me deparei com os tipos de cirurgiões mais assustadores que já havia conhecido. Eles me imobilizaram e conduziram a uma sala colocando meu corpo sobre uma mesa de cirurgia. Logo pensei “É minha vez agora!” Podia ouvir as vozes dos médicos atrás de mim, mas não conseguia observar o que faziam. Talvez estivessem decidindo meu futuro. Neste momento uma porta se abriu e pude ouvir a voz de uma mulher. A maneira como os médicos malignos se comportaram com a presença da mulher permitiu saber que ela era a chefe de todos. Eu tentava ver quem era a mulher, mas a forma como estava amarrado à mesa não permitia. Foi então que ela se aproximou e olhou diretamente para meu rosto. Fiquei surpreso ao reconhecer minha secretária Margot. Comecei a pensar se tudo aquilo era devido a uma negativa de aumento de salário que lhe neguei no Natal. Era Margot, mas uma Margot diferente daquela que eu sempre conhecera. Ela usava uma entonação autoritária quando se dirigiu a mim “Bem Mike, você acreditou que era uma cara esperto, seguindo Harry até a clínica”. Mesmo nesta situação ela ainda mantinha uma voz sexy, apesar de eu não estar pensando sobre isto naquele momento. Ela continuou falando “Tudo isto foi um truque para trazê-lo até aqui. Você viu o que ocorreu com Harry. Mas, sabe, ele não está totalmente morto. Aqueles cavalheiros são neurocientistas premiadíssimos no mundo todo. Eles desenvolveram um procedimento cirúrgico com o qual podem remover o cérebro de um corpo e, mesmo assim, manter o cérebro vivo numa cuba com nutrientes. Por certo que o departamento de saúde pública não aprovaria o procedimento, nem nós apresentaremos este fato a eles. Você vê todos aqueles tubos e conexões saindo do cérebro de Harry? Eles o conectam a um super-poderoso-computador. O computador monitora o output do córtex em provê um input no córtex sensório de tal forma que tudo parece normal para Harry. São produzidas ficções mentais da vida que combinam perfeitamente com suas lembranças do passado de tal forma que ele não sabe nada do que está lhe ocorrendo de fato. Ele acredita que, neste momento, está se aprontando para ir ao escritório. Contudo, ele nada mais é que um cérebro numa cuba”.
Ela continuou me explicando “Uma vez que nosso procedimento tenha sido completamente testado iremos até o Departamento de Administração de Drogas (FDA). Contudo, ainda necessitamos de mais algumas experiências iniciais. Com Harry foi fácil. Masnecessitávamos de alguém com uma vida mais variada e interessante para realizar testes com nossos Softwares: alguém como você!” Neste momento eu me preparei para começar a gritar por socorro. Os cirurgiões reuniram-se em torno a mim com olhares malévolos. Um dos cirurgiões ainda segurava um bisturi ensangüentado na mão se aproximou de mim, mal contendo sua excitação. Mas Margot aproximou-se mais de meu ouvido e disse”Aposto que você está pensando que vamos operar você e retirar seu cérebro, tal com fizemos com o Harry, não é? Mas você não tem do que se assustar. Nós não vamos remover seu cérebro. Nós já o fizemos, de fato, a três meses atrás”.
Com isto, me deixaram sair. Encontrei o caminho de volta ao meu escritório numa espécie de torpor. Por alguma razão, eu não contei nada disto a outras pessoas. Eu não conseguia acreditar naquela experiência que vivenciei na clínica. Contudo, algumas marcas ficaram. Me sinto atônito com a suspeita de que eu sou, de fato, um cérebro numa cuba e tudo que vejo ao meu redor é apenas invenção daquele software maligno. Além disto, como poderia contar? Se o programa do computador realmente funciona, não importa o que eu faça, tudo parecerá normal para todas as pessoas. Talvez tudo que eu veja não seja real! Esta possibilidade está me deixando maluco. Estou considerando a possibilidade de ir até aquela clínica voluntariamente e pedir que removam meu cérebro apenas para que eu tenha certeza de que vivo num mundo real.
Mike é um sujeito de sorte, pois Margot lhe contou o que havia lhe ocorrido. Talvez ele não seja um cérebro numa cuba. Não há como ele ter certeza. Se você meditar sobre o caso, talvez nem você tenha certeza de que “não” seja um cérebro numa cuba. Quais as evidências que você possui de que sua percepção do mundo é real? Será que sua visão, tato, olfato, audição são de coisas reais, ou são fruto de inputs do software maligno? Todo o mundo que você vê e com o qual corresponde, pode ser uma ficção. Se você não consegue provar que não é um cérebro numa cuba, então também não consegue provar que o conhecimento do mundo material é possível. Você está diante de um problema cético! Autor: John Pollock (traduzido e adaptado para o português pelo Professor Arturo Fatturi, 2008).


A trilogia Matrix foi baseada nessa história filosófica. ;)

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